sexta-feira, 2 de março de 2012

AS PRIMEIRAS CARTAS DA ALEMANHA


As cartas foram introduzidos na Alemanha desde o sul, através da Itália e da Suíça. Inicialmente, os jogadores dos países germânicos usavam as cartas do baralho italiano. Um dos primeiros jogos a ser difundido na Alemanha foi o lansquenet, um jogo de azar muito simples que era uma variação do bassett. As cartas, como em todos os lugares onde foram introduzidas, logo alcançaram uma grande popularidade, o que acabou levando as autoridades a proibi-las. As primeiras proibições, em Ulm (1937) e Augsburgo (1400 e 1403), passaram a vigorar em todos os estados alemães a partir de 1406. No entanto, esses impedimentos não diminuíram o interesse dos jogadores (como prova o fato de que em Augsburgo foi necessário voltar a repreender as cartas três anos depois da primeira proibição) nem dos criadores de jogos de cartas, que demonstraram habilidade e imaginação únicas no mundo.
Enquanto o baralho espanhol é uma clara evolução do italiano, os criadores de cartas alemães rapidamente desenvolveram os quatro naipes que se converteram no seu baralho: cascavéis (Schellen), acredita-se que representava o interesse da nobreza pela falcoaria (caçada com falcões); copas (Herzen), pela Igreja; folhas (Grün ou Laub), pelas classes médias; e bolotas (Eicheln), pelas classes populares. Os baralhos com esses naipes coexistiram inicialmente com muitos outros nos quais as cartas eram animais ou objetos diversos, como se existisse entre os gravadores alemães uma competição pelos melhores desenhos em um momentos em que ainda estava sendo decidido qual seria o baralho tradicional alemão. Dessa forma, entre as cartas alemãs mais antigas que se conservam até hoje, encontram-se cartas procedentes de Stuttgart e datadas de 1437, cujos naipes são patos, falcões, cervos e cachorros.
Essas primeiras cartas eram belíssimas obras de arte, desenhadas e pintadas à mão, que os príncipes e outros nobres encomendavam não para jogar, mas como um símbolo da riqueza e poder.


Outra modificação realizada pelos criadores de cartas alemães em relação às italianas foi a introdução de personagens, como o König, o Obermann e o Untermann. As cartas numeradas eram pintadas de vermelho (copas e cascavéis) ou verdes (folhas e bolotas). As figuras combinavam as duas cores.
No final do século XIV, começou a ser divulgada pela Europa a técnica de fabricação do papel, que logo converteu-se em um material mais usado e econômico que o pergaminho. Isso permitiu o desenvolvimento da gravura, especialmente na fabricação de jogos de cartas. Em um manuscrito de 1474, que explica a história da cidade de Ulm, pode-se ler que "as cartas são enviadas em grandes fardos para a Itália, a Sicília e outros lugares por mar, onde são trocadas por especiarias e outras mercadorias". A contrapartida dessa crônica consiste em um decreto veneziano de 11 de outubro de 1441, no qual se proíbe a importação de cartas sob a pena de 30 libras e 22 soldos para evitar o desaparecimento da empobrecida indústria de cartas veneziana.

OS GRAVADORES ALEMÃES

Durante a segunda metade do século XV e início do XVI, surgiu na Alemanha uma extraordinária geração de gravadores que criou obras notáveis. Os jogos de cartas desses artistas atingiram uma beleza tão elevada que nunca foram superados. Os gravadores alemães deram asas à sua imaginação e representaram nas suas cartas figuras humanas, animais e plantas com uma grande riqueza de detalhes (lembre-se que se tratam de talhas sobre madeira e que um simples deslizamento do formão poderia arruinar toda a obra).
O primeiro desses notáveis gravadores é conhecido apenas pelo seu apelido: o Mestre dos Naipes (der Meister der Spielkarten). De sua autoria conhece-se 44 gravuras e 66 cartas, realizadas entre 1453 e 1454. O segundo gravador de que temos notícia é denominado Mestre do Monograma ES, também conhecido como Mestre do ano de 1466, pois essa data aparece em uma de suas pranchas matrizes. São conhecidos dois baralhos realizados por ele. Teve uma grande influência sobre Martin Schöngauer (1445-1499), considerando um artista equiparável a Durero e Holbein. Martin Schöngauer não trabalhou com a técnica da gravura, mas seus desenhos foram utilizados em um baralho atribuído a Israhel von Meckensen.


Outros grandes gravadores foram o Mestre do Monograma PW, autor de uma conjunto de cartas redondas, realizadas por volta de 1500; Hans Sebald Behan (1500-1550), de quem se conserva, entre outras obras, uma cartela de cartas sem cortar; Edward Schön, cujas obras são datadas de 1515 a 1542, autor de um grupo de cartas redondas com cinco naipes (lebres, coelhos, cravos, rosas e pombas) e Virgil Solis (1514-1542), um prolífero ilustrador, conhecido principalmente pelas suas duas edições da Bíblia, cujos baralhos com naipes de leões, macacos, pavões e papagaios são realmente magníficos, superando a qualidade dos seus demais trabalhos.
No entanto, de todos os citados destaca-se Jost Ammon (1539-1591), realizador de um grande número de gravuras utilizadas em vários campos, principalmente em capas de livros. São de sua autoria as gravuras de um baralho que foi publicado em forma de livro, O livro dos ofícios, com naipes de jarras de vinho, carimbos, copas e livros. Cada carta contém versos em latim e alemão. Parece que esse livro foi baseado em um antigo baralho de Rodericus Zamorensis (Rodrigo de Zamora ?), publicado por Gunther Zainer, em 1477, com o nome de Spiegel des menslichen Lebens.
A partir de 1550, iniciou-se um processo de declínio da arte da gravura alemã, que coincidiu com a grande demanda de vários tipos de obras; desenhos religiosos, indulgências, ilustrações para livros, etc. Uma obra desse período é um baralho de 36 cartas realizado na segunda metade do século XVII, atribuído a Georg Heinrich Bleich.



AS CARTAS PEDAGÓGICAS

O Renascimento e a imprensa acarretaram importantes mudanças na mentalidade européia, uma das quais afetou diretamente a educação. A memorização foi substituída pela leitura e o estudo. Erasmo de Roterdã escreveu na sua obra dedicada à pedagogia, Uma educação liberal para as crianças desde o princípio, que as crianças deviam ser instruídas na leitura, na escrita e no desenho junto às suas mães, incentivadas com prêmios e jogos que as animassem a estudar. O pai do escritor francês Montaigne ensinou ao seu filho as primeiras noções de grego escrevendo algumas frases nas costas de cartas de baralho, que utilizou para inventar um jogo didático.
Nesse ambiente de renovação pedagógica, surgiram as primeiras cartas instrutivas. Seu inventor foi um frei franciscano, Thomas Murner, que elaborou, no ano de 1507, na Universidade de Cracóvia, um baralho que resgatou um dos objetivos originais das cartas: ensinar.
O jogo foi criado em forma de livro e servia para o estudo da lógica. Ao parecer, não era simples, mas os alunos conseguiram dominá-lo com tanta facilidade e com um entusiasmo tão grande que Murner teve que se defender de inúmeras acusações de bruxaria. A segunda edição desse baralho foi realizada em Estrasburgo, em 1509.
O jogo era formado por dez cartas lógicas e uma série de cartas numerais agrupadas em dezesseis naipes: guizos, corações, bolotas, sóis, luas, estrelas, escudos, coroas, gorros, peixes, lagostas, escorpiões, gafanhotos, gatos, pássaros e serpentes. Alguns anos mais tarde, em 1518, Murner editou outro baralho pedagógico, de 120 cartas, também em Estrasburgo, com dozes naipes de dez cartas cada um.
Esses primeiros baralhos pedagógicos, que surgidos no século XVI sob a influência do turbulento panorama cultural germânico, logo seriam amplamente difundidos e diversificados por toda a Europa.

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